Todos conhecemos a história da famosa cidade situada às
margens do Mediterrâneo. O poeta e historiador Homero que teria vivido por
volta do século IX a.C., e a quem se atribui a elaboração das obras Ilíada e
Odisséia relata a tragédia dos troianos no
primeiro poema e no segundo, a saga de Odisseu ou Ulisses, em seu retorno a
Ítaca após os combates junto aos exércitos de Agamenon e Menelau. Tróia, cuja
cidade fortificada entre muros sólidos impedia o assédio de povos bárbaros,
invejosos de seus tesouros intelectuais e sociais, de sua influência política,
de sua riqueza material, mas, sobretudo, de sua localização estratégica, pois
era rota de navegação para outros portos comerciais, jamais poderia ser
invadida, assim acreditavam os seus habitantes.
Porém, ninguém imaginaria que a famosa cidade-fortaleza seria
vencida pelas frágeis asas de Eros, que envolvendo o coração e o raciocínio de
Páris, irmão de Heitor, líder dos exércitos troianos, trouxe, juntamente com a
beleza e a graça de Helena, esposa de Menelau, os motivos superficiais para o
cerco dos gregos e de seus aliados. Após 10 anos, Tróia capitula, não pela
força exaurida de seus exércitos, não pela morte afrontosa de Heitor pelas mãos
e pelo ódio de Aquiles, ou pela estratégia militar dos gregos.
Tróia foi vencida pelo
orgulho de achar-se inexpugnável. Tróia foi vencida pela
falsa crença de que jamais poderia ser conquistada, já que contava com a ajuda
perene e constante dos deuses. Já não mais poderia receber o aconselhamento
de seus generais, que se destacavam pela enorme prudência em preservar os seus
muros contra o assédio inimigo, pois estes jaziam mortos pela fúria avassaladora
do conquistador. Tróia foi vencida pela invigilância. Tróia foi vencida pela ingenuidade de seus líderes, que acreditaram que o inimigo poderia presentear-lhes, após terem praticamente
dizimado as suas forças, com um belo e imenso cavalo feito de madeira colhida
às pressas de destroços de guerra (como um presente
poderia ser proveniente de despojos oriundos do ódio, da morte, da violência?).
Tróia, na verdade, foi vencida pela astúcia de seus inimigos.
Tróia e seus guerreiros, a Grécia com seus heróis inspiraram
as civilizações que se seguiram, principalmente Roma, cujos Césares
atribuíam-se a descendência de Enéas, soldado troiano, portador da espada de
Heitor após a morte deste, e que salva um punhado de mulheres e crianças da
cidade incendiada; Alexandre Magno inspirava-se em Aquiles, e Juliano, que a
equivocada Igreja nascente do século IV d.C. legou à posteridade como Apóstata,
julgava-se a reencarnação de Alexandre, herdeiro do herói grego.
A tragédia marcou o inconsciente coletivo humano e ajudou a
formar os arquétipos coletivos do
guerreiro, do mártir, do herói. E até hoje servem como modelos, embora,
deturpados pela pós-modernidade, aos pseudo-heróis das guerras fratricidas que
inundam a nossa humanidade de morte e de horror, estejam elas situadas em
países distantes ou nas ruas das grandes cidades, no trânsito, nas mortes sem
razão de ser.
Tróia realmente
existiu? Ou trata-se
apenas de uma lenda construída em bases mitológicas por um grego, amante de sua
cultura e que, sensibilizado pela tragédia do inimigo, desejava perpetuá-la de
forma heroica, legando a sua imagem à posteridade? Na região mesma onde Homero
a situa, foram descobertas cerca de oito cidades-aldeia escavadas por
arqueólogos e sobrepostas umas sobre as outras, e cujos vestígios de materiais
queimados em uma delas comprovam-lhe a destruição pelas chamas de um grande
incêndio. Se existiu ou não, verdade é que Tróia e o seu fatídico “presente”
grego jazem em nosso inconsciente individual e coletivo, formando atos,
atitudes e ações congêneres.
E a verdade?
Conceitualmente, ela é o motivo pelo qual existimos, a força que nos impulsiona
sempre para frente, apesar de tudo. A Verdade fez Sócrates buscar na intimidade intelectual de seus interlocutores os
conceitos de justiça, de amor, e cujas argumentações Platão em seus Diálogos coloca nos lábios de seu grande
mestre. Sócrates incomodou o poder ateniense vigente, pois remetia as pessoas
ao conhecimento a partir delas próprias, de suas consciências. E foi condenado
à morte pela mediocridade.
A Verdade tem feito
vítimas ao longo do tempo. Jesus de Nazaré trouxe-a vestida de perdão, de amor
ao próximo, de respeito e amor a Deus, sobretudo, de vida após a morte. E
indicou os caminhos para chegar a ela, oferecendo-se em holocausto, jamais
utilizando-se de subterfúgios para que ela sobrevivesse à hipocrisia de
fariseus e violência de romanos. Simplesmente viveu-a em espírito, já que Ele,
Espírito imortal e pleno, é o seu mais ilustre Portador.
Allan Kardec, discípulo de Jesus, reencarnado no
século do Positivismo comteano, é convidado a elaborar a síntese do Conhecimento.
E, sob o ditado e orientações dos mais eminentes e nobres Espíritos das
dimensões superiores em moral, intelectualidade e amor à Humanidade, ante o
desvelo do Espírito da Verdade, passa a escrever a mais nova aliança de Deus
para com os homens perdidos em descaminhos intelectuais, sociais, políticos,
religiosos, filosóficos.
E o Espiritismo, de forma simples, porém com conotações
educativas, abole de vez o misticismo das religiões, o mito messiânico e
idólatra que envolve Jesus de Nazaré, a arrogância da intelectualidade vazia,
do mediunismo místico e ignorante das relações intra-mundos, da prepotência dos
pretensos conhecedores daquilo mesmo que desconhecem: a Verdade.
A criação do Centro
Espírita foi inspirada por Allan Kardec, subsidiada pelos Espíritos Superiores,
e ainda é e será sempre o grande e insubstituível zelador do Espiritismo em seu
formato de divulgação através de palestras educativas e consoladoras, pelo
atendimento fraterno que dispensa às dores e angústias humanas, bem como através
de seus cursos focados na Doutrina Espírita e suas corretas abordagens, que não
ensinam, mas que despertam o Espírito
humano para os seus grandes deveres para consigo mesmo e para com o seu
semelhante, tal como a maiêutica socrática, em bases de Educação do e para o
Espírito.
O bom Centro Espírita
jamais será superado por quaisquer movimentos humanos que visem a sua
substituição perante a sociedade e o grande público.
A intelectualidade a princípio deveria nele buscar a sua
inspiração para preencher o vazio imenso que a Filosofia contemporânea e
meramente acadêmica impingiu aos seus adeptos pelo mundo, pois raramente
coloca-se como partícipe da nobre história do pensamento humano em seus
esforços pela busca da Verdade em Espírito, tal como a Filosofia Espírita
preconiza e revela.
A Ciência em seus desdobramentos, principalmente a Psicologia
e a Psiquiatria, deveria buscar no bom Centro Espírita, e no Espiritismo, a
inspiração para as nobres ações e para
as suas investigações com base nos arquivos inconscientes do Espírito.
As Religiões teriam no Espiritismo, conforme Kardec dizia, o
mais poderoso auxiliar para o desenvolvimento da espiritualidade humana.
Contudo, o que temos observado, é uma “invasão desorganizada”
de Cavalos de Tróia entrando, à semelhança da tragédia de Homero, pelas portas adentro
do Centro Espírita. Travestidos com suas roupagens aparentemente belas,
contudo, trazendo consigo a natureza mórbida e destrutiva que os distinguem, portam,
em sua bagagem, conceitos equivocados provenientes de movimentos de auto-ajuda,
do africanismo brasileiro, de evangelismos e de sua contra-partida, o
materialismo, ausente do real Evangelho de Jesus, de opiniões do senso comum de
que o Centro Espírita é “uma empresa”, de mensagens de pseudo-sabedoria em total
e absoluta discordância com os nobres princípios que norteiam o Espiritismo como
força de transformação, aquela que faz com que vejamos o mundo com outros
olhos. Trazem ainda a ausência de entendimento fraterno – o verdadeiro.
Se, a semelhança de Príamo, acreditarmos que somente aos bons
Espíritos cabe a prudência no zelo ao Centro Espírita, se acreditarmos nas “paredes
inexpugnáveis” do Centro Espírita, se abrirmos mão do estudo genuinamente
espírita e metodicamente cultivado, se acreditarmos que é “caridoso”, é
“democrático” abrir as portas para que todos falem de tudo, sem método, sem
bases de seguro desenvolvimento com base no Espiritismo, como filosofia do
Espírito e ciência do Espírito que é, e apenas com base na democracia
popularesca, ou aos modismos midiáticos, se aderirmos à ingenuidade orgulhosa troiana
e nos influenciarmos pelos equívocos da bela aparência, sem, enfim, acreditarmos
fundamente de que o Espiritismo ainda é e será sempre a renovada Mensagem de
Jesus aos corações e ao raciocínio humanos, seremos como os descuidados
habitantes de Tróia.
As portas de centenas, senão milhares de Centros Espíritas
pelo Brasil afora já foram escancaradas à imprudência. Cavalos de Tróia lá
estão instalados e promovendo o seu declínio. E tal como a infeliz cidade-fortaleza, fadados
ao desaparecimento. Tal como as lendas que habitam o nosso inconsciente e que
nos trazem, vez por outra, sentimentos de nostálgico vazio.
Seremos castigados pelo futuro? Certamente que não. Não é
assim que as Leis Divinas funcionam. O Cristianismo de Jesus foi invadido por
manadas incontáveis de Cavalos de Tróia,
que lhe desestruturaram os princípios belos e verdadeiros. E porque
verdadeiros, voltaram após 1532 anos, contados a partir do primeiro Concílio de
Nicéia.
Voltaremos e voltaremos através das reencarnações sucessivas
tantas vezes quantas necessárias forem para colocarmos novamente e novamente a
mensagem de Jesus aos nossos e aos demais corações humanos carentes de fé
raciocinada e de conhecimento da Verdade, a corrigir o estrago intelecto-moral
ocorrido nas mentes de centenas de milhares de “seguidores”, arcando-lhe as
consequências, num correto e justo “a cada um segundo as suas obras.” É desta
forma que a falência de princípios recomporá os seus caminhos. Tal como ocorreu
com a mensagem de Jesus, obstaculada, enegrecida e deturpada ao longo de toda a
Idade Medieval, contudo renascida pelo responsável e inegável bom-senso de um
único missionário, a serviço da causa do Bem sob os auspícios de centenas de
Espíritos e sob o olhar infinitamente misericordioso de Jesus.
Bibliografia:
Codificação Espírita, Allan Kardec e os Espíritos do Bem
representados por Jesus de Nazaré, o Espírito da Verdade (enfoque cap. – Falsos cristos e falsos profetas, de O
Evangelho Segundo o Espiritismo).
Curso Dinâmico de Espiritismo (J.Herculano Pires), cap. XX –
Como combater o Espiritismo - (ao ilustre prof. Herculano tributo o meu mais
profundo respeito pela defesa da Verdade espírita; é dele o conceito de cavalo
de Tróia desenvolvido neste artigo);
Sol nas Almas (Espírito André Luiz)- Cap. 29 –Defesa da
Verdade;
Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita – Allan
Kardec.
SONIA THEODORO DA SILVA, bacharelanda em Filosofia.