(Trabalho Acadêmico para a disciplina
de Ética Contemporânea)
Autora: Sonia Theodoro da Silva
Desde inícios do século XX, com o
advento das escolas existencialistas motivado pela revolução industrial na
sequência das guerras de independência dos EUA bem como a Revolução Francesa no
século XVIII, e as duas grandes guerras mundiais de 1914 e 1939, a Europa entra
no período do vazio existencial, que se amplia em nossos dias em direção à
pós-modernidade ou modernidade líquida, como quer Zygmunt Baumann.
No campo religioso, a principal
religião cristã, com seus quase 2 bilhões e meio de seguidores, também vive a
sua mais grave crise institucional, com grande parte de seu clero preso a um
sistema arcaico e imutável, quando não portador de comportamento desviante dos
objetivos evangélicos, embora os esforços do Concílio Vaticano II, de seus
Papas liberais, como o atual Papa Francisco, pastor de almas acima de qualquer
suspeita de burocracia clerical.
Os centros de educação mundiais
mas principalmente no Brasil, também vivem suas crises, com seus sistemas
educacionais inócuos que informam mas não educam, no vero sentido da Educação.
Por sua vez, as artes
concentradas na representação do vazio ou, como no caso do cinema, trabalham a
distopia e a fantasia de heróis míticos fantasiados de super-heróis tão irreais
quanto a violência que carregam consigo, numa proposta de reação catártica a um
público sem senso crítico.
Em Seminário de São Paulo, em
1994 (Gonçalves & Iunskovski, 2011), discutiu-se a crise das produtoras de
sentido no mundo, como as já citadas acima bem como as focadas na mídia e
outros centros de poder. Entre todos os debatedores, José Guilherme Magnani
mostrou em pesquisa que na cidade de São Paulo havia uma rede de trocas de
sentido, que a magia continuava vigente nos sistemas simbólicos que ofereciam
alternativas de sentido.
Hoje, com pouca diferença, já que
a religião católica teve um boom de frequentadores e adeptos principalmente no
Brasil após a Jornada para a Juventude com a presença do Papa Francisco no Rio
de Janeiro em 2013, essa “magia” se desloca para os cultos religiosos, na busca incessante pela comunhão
com o sagrado, visto que a vida profana ou temporal continua repleta de
desafios, violência, crises existenciais, políticas e sociais.
As chamadas seitas portadoras de
teologia da prosperidade buscam preencher o vácuo de realizações profissionais
e o desemprego com a promessa de que Deus poderá abrir caminhos aos seguidores
desde que se engajem nas propostas “comerciais” dessa teologia.
Nesse contexto, a ética, pouco
desenvolvida pela mídia patrocinada por produtos que visam alcançar vendas
astronomicas, por isso a exploração de temas ditos polêmicos em busca dessa
audiência, bem como os escândalos políticos vigentes em nosso país,
praticamente inexiste, foi obscurecida pela onda de descrença e de falta de
objetividade. Todos sofrem as consequências dos escândalos patrocinados pela
corrupção antiga e atual, todos exprimem esse sentimento de “estar farto de
alguma coisa”, desde o desmatamento inequívoco e diário da Amazonia, até a
avassaladora ganância de políticos frente ao herário público.
A crise institucional como um
todo reflete a crise existencial na qual hoje o indivíduo se coloca, como um
ser que nada espera já que a ética deixou de pautar, em sua maior parte, o
comportamento dos produtores de sentido, e a moral deixou de regular o
comportamento do sujeito dela portador.
De tal forma a crise ética
enfrenta um vazio condutor e norteador no dizer de Kant, que não houve
questionamentos quanto ao comportamento de total ausência de ética e moral do
jornal Charlie Ebdo que se achava – e acha – portador do facho da Liberdade,
como se ela, a liberdade para ser válida devesse exprimir a total ausência de
ética no trato com as religiões, extremistas
ou não, no trato para com a mulher, bem como as instituições que formam
a nossa sociedade. Poucos reconheceram o
fundamentalismo da pseudo-liberdade preconizada pelo dito jornal que tornou-se
vítima de seu próprio extremismo, esquecendo-se que liberdade é fundamental,
desde que vivida e pregada com ética.
Segundo Marcondes (Marcondes, 2007),
em Kant a razão prática pressupõe uma crença em Deus, na liberdade e na
imortalidade da alma, que funcionam “como ideais ou princípios regulativos. A
crença em Deus é o que possibilita o supremo bem, recompensar a virtude com a
felicidade. A imortalidade da alma é necessária, já que neste mundo virtude e
felicidade não coincidem, e a liberdade é um pressuposto do imperativo
categórico, libertando-nos de nossas inclinações e desejos, uma vez que o dever
supõe o poder fazer algo.”
Em A República, Platão revela que
o que está em jogo na alegoria da caverna é a liberdade das correntes da
ignorância e da ausência de comportamentos não indutores do marasmo moral.
Hoje como ontem, torna-se
necessário ao sujeito analisar profundamente a sua época, e buscar alternativas
de vivência ética e moral, em todos os setores da vida, nas instituições que
caracterizam a nossa sociedade, bem como no comportamento que norteia as nossas
relações na família e na sociedade como um todo.
Estamos em época de transição de
uma sociedade desprovida de motivações éticas para uma sociedade onde o
respeito à Vida, sob qualquer forma manifestada possa preencher o vazio que ora
ocupa a vida de relação. Sem isso continuaremos ampliando a era do vazio
instalada há mais de um século e que se perpetua até os nossos dias, e alcança
a nossa vida de relação social bem como familiar.
Fontes:
Modernidade Líquida, Zygmunt
Baumann, ed Zahar, 2000.
L’Osservatore Romano, janeiro,
2015.
LD Experiência do Sagrado e
Religião, U V, 2011.
Iniciação à História da
Filosofia, Danilo Marcondes, ed. Zahar, 2007.
Ética Clássica, LD U V, 2008.
Ética Moderna, LD U V, 2011.
Pensamento Ético Contemporâneo,
Jacqueline Russ, ed.Paulus, 2011